domingo, 27 de outubro de 2019

Fim de semana no Riacho da Serra e a subida na Serra do Jacu

Não faz muitos dias, fui passar um fim de semana no Seridó paraibano, na fazenda de Zé Domingos no Riacho da Serra, município de São José do Sabugi/PB; a ocasião foi o 90º aniversário da bisavó de minha filha Marina Luna, dona Anair Domiciano Dantas. O casamento dela com José Domingos Dantas deu origem a uma grande família, composta por 16 filhos, 33 netos, 23 bisnetos e 3 trinetos, em sua maioria presentes nessa reunião. A comemoração foi grande, muito bonita e durou o dia inteiro, principiando com uma missa solene na capela da área rural e continuando com um tradicional banquete interiorano, com cada iguaria sertaneja de lamber o bigode; grande festa de uma grande família, alegrada por um trio de forró pé-de-serra, com um sanfoneiro das grandes virtudes musicais.
Numa certa hora, já depois do bolo e dos parabéns, enquanto ainda umas dezenas de pessoas seguiam no alegre convívio, eu armei minha rede num alpendre escuro e logo dormi, com gorro de lá e agasalho de frio, para aguentar as ventanias noturnas.
Domingo, 13 de outubro, acordei às 5h15, calcei as botas, peguei da mochila minha faquinha suíça, bebi um copo de água e, assim como estava, subi a Serra do Jacu, que fica, a certa distancia, bem na frente da casa de Zé Domingos. Já subi essa serra em 2005 e agora, 14 anos depois, repeti a façanha para comemorar os 90 anos de dona Anair e minha volta ao Riacho, após uns dez anos que não ia mais lá. O tempo passa rápido e é nessas ocasiões que percebe-se como o tempo voa mesmo e, num sopro, se vai uma década.
Cruzada a estrada de terra, desci pro leito do rio seco e caminhei até o pé da serra, acompanhando uma cerca de arame farpado. A novidade na região, que já comentei ser bem ventilada, é a presença no alto das serras de muitas hélices gigantes da companhia de energia eólica. Por sua natureza íngreme e inóspita, a Serra do Jacu foi poupada e ficou tal qual era e sempre será. Só algum caçador de abelhas deve subir essa serra, talvez, mas eu só vi uns cortiços atrás da casa de Deca Souza, no pé da serra, e nada mais. Bem no topo do penhasco, um pouco mais tarde, uma abelha veio me conhecer, curiosa, mas só foi uma mesmo.
Como ninguém anda por aí, bicho grande ou homem, não tem veredas, nem alguma picada aberta entre os arbustos secos e espinhentos que crescem por todo lado. Subo devagar, olhando bem por onde ando e escolhendo o caminho melhor.
Não estou bem equipado. Esta trilha na caatinga merecia umas perneiras e umas luvas de couro; um facão, ou uma boa tesoura de jardinagem, que eu até prefiro ao facão para abrir uma passagem entre os arbustos. Bom, minhas botas são boas. Logo que achei o pau certo, fiz uma bengala para mim, que sempre ajuda na caminhada e é útil em várias situações. Por exemplo, com a bengala, quando me aventuro nessas regiões povoadas pela cascavel e a jararaca, eu ando batendo a bengala nas pedras e no chão o tempo todo, avisando que estou passando. As cobras, avisadas, ficam entocadas e o encontro indesejado é evitado. Também os óculos escuros que eu uso, modelo segurança no trabalho (rss), protegem bem os olhos e acabam sendo um item de segurança importante numa trilha dessa.
Após uma primeira encosta meio íngreme, a serra se abre num platô pouco inclinado, no qual se alternam manchas de arbustos espinhentos e amplos lajedos, ricos em cactos e bromélias. Tem muitos coroas de frade. Avistei uns preás que saíram correndo ao perceber minha chegada. Fora os preás, alguns lagartos e uns pássaros típicos da região, não encontrarei outro animal durante toda a trilha.
Abruptamente, a serra cresce pro topo quase verticalmente e é preciso escalar as pedras com mãos e pés, passando por baixo de árvores caídas e dos arbustos espinhentos onipresentes. Finalmente, chega-se ao pé do penhasco de rocha amarela, no topo da serra. Subir até ali não foi fácil, assim me sentei por alguns minutos para descansar.
Toda a encosta do penhasco está ladeada por extensas áreas de macambiras. Não tem outra solução que caminhar por cima das plantas secas de macambira enfileiradas, com todo cuidado para não perder o equilíbrio. O ar fino das alturas é inebriante e a vista panorâmica estonteante. Sigo até onde uma pedra rachada me permite escalar os últimos metros do penedo amarelo; estou no alto da serra, sopra um bom vento e eu me sento para não cair.
Tiradas umas fotos, deitei com os braços cruzados por baixo da cabeça e fiquei uns dez minutos em silêncio a pensar. Pensar em muitas coisas, inclusive em que caminho pegar para a descida de volta. Descer uma parede inclinada de uma serra é sempre mais complicado que subi-la e, quando se está sozinho, a segurança sempre deve ser redobrada para evitar qualquer tipo de acidente.
Me lembrei que em 2005 desci pela outra vertente da serra, mas não consigo enxergar um bom local para dar inicio a descida naquele lado, assim, com cuidado desço pela mesma rocha rachada pela qual subi e sigo até o pé do penhasco encostado nele, com a bengala cravada no chão para garantir sempre um bom equilíbrio. Nas passagens mais difíceis tenho que rastejar de ré entre as pedras e por baixo dos arbustos. Minhas calças ficam cheias de espinhos, mas são folgadas e os espinhos não chegam a ferir-me.
Quando afinal cheguei no pé dessa parede mais íngreme, soltei um suspiro de alivio porque o pior já tinha passado. Na caminhada final de volta, ainda peguei três pequenos coroas de frade para levar comigo pro Sítio Araras, como lembrança desta aventura.
Cheguei em casa todo sujo e faminto; troquei de roupa e comi um pratão de cuscuz com carneiro guisado e queijo manteiga, acompanhado por três boas xícaras de café quente.
Só o sertanejo sabe quanto é duro o sertão; só o sertanejo sabe quanto é belo o sertão.

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