domingo, 3 de março de 2013

Primórdios da Agricultura do Nordeste - A mandioca na Pré-Historia do Brasil


A agricultura nas Américas é muito antiga, tendo-se desenvolvido a partir de cultivos locais e métodos próprios e não importados do Velho Mundo, como erradamente alguns arqueólogos afirmaram. Deve ter surgido de um processo lento de observação e de praticas milenares independentes, assim indica a variedade de plantas americanas cultivadas, completamente diversas das do Velho Mundo, tanto elas próprias como as formas de cultiva-las. É possível mesmo, que já se conhecesem algumas formas de cultivos incipientes na América a partir do sétimo milênio BP. Espécies cultivadas de milho aparecem no quarto milênio. No Nordeste do Brasil a agricultura pode ter começado no terceiro milênio, com agricultores incipientes em pequenas roças de subsistencia.
O binômio clássico, que carateriza as culturas neolíticas do Velho Mundo, agricultura-pastoreio, no qual o gado aduba a terra, renovando sua capacidade produtora e proporcionando ao mesmo tempo o complemento protéico através do leite e da carne, nao se realizou no Brasil.
A divisão "caçador-coletor-nômade" e "agricultor-pastor-sedentário" do Velho Mundo não é valida para América.
Na América do Sul, o homem pré-histórico, até nas sociedades agricultas mais organizadas, nunca deixara de ser caçador, como imperativo imposto para a obtenção de proteínas; com exceção das altas culturas andinas, sera sempre semi-nômade por causa do rápido esgotamento das terras não adubadas.
O nomadismo ou semi-nomadismo do índio pré-histórico nordestino, sempre atrás de caça e abrindo novos campos de cultivo, foi um dos fatores determinantes da sua estrutura pré-urbana o do seu desinteresse na construção de moradias estáveis.
Dos tres cultivos básicos da agricultura primitiva americana, o milho, o feijão e a mandioca, a ultima foi o cultivo principal na América do Sul tropical. Originaria provavelmente da Amazônia Colombiana, a mandioca com suas duas variantes "amarga" ou " brava" (Manihot esculenta, Manihot utilissima) e "doce" (Manihot aipi) foi o alimento básico da grande parte das populações pré-históricas do Brasil, desde a Amazônia até a região subtropical, onde o milho teve maior importância.
A mandioca, planta da família das euforbiáceas, forma grossos tuberculos radiculares ricos em amido. O acido cianitrico, que pode fazer da mandioca um produto mortal, é muito volátil e fácil de se eliminar por evaporação. Basicamente o tratamento da mandioca consiste em se retirar a casca do tubérculo que é imediatamente ralado e transformado em polpa, depois de prensado para a retirada do liquido venenoso. Na região amazônica a polpa era espremida no caracteristico "tipiti", engenhoso objeto ainda hoje utilizado, porém não parece ter sido usado entre os indígenas do Nordeste, que deviam espremer a mandioca entre folhas de palma sobre um cocho de madeira.
Depois de bem espremida, passa-se a polpa por uma peneira, para que fique solta e, finalmente, ela è assada sobre uma superfície plana de pedra ou cerâmica para eliminação de qualquer resto de umidade e do acido venenoso. Fragmentos nos sítios arqueológicos de pratos grandes e planos, às vezes com pés, conhecidos como assadores, indicam a presença de grupos cultivadores desse tubérculo.
A farinha de mandioca, já pronta para consumo, quando bem guardada conserva-se durante muito tempo. O liquido esbranquiçado restante do espremido da polpa, é recolhido num vasilhame e deixado em repouso. Deposita-se no fundo, por decantação um pó muito fino chamado goma. O acido evapora-se e eliminado o liquido depois da decantação, conserva-se durante dias inalterável, se for coberto com agua limpa, mesmo em clima muito quente. Com a goma peneirada se faz sobre assadores de pedra ou cerâmica, uma torta fina de agradável sabor: è o beiju, verdadeiro pão indígena, ainda hoje popular no Nordeste.
A mandioca tem um ciclo vegetativo de nove meses, porém, em compensação, pode continuar na roça, sem ser colhida, até dezoito meses, de forma que pode ser coletada durante nove meses, dependendo da necessidade. Quando uma plantação esta acabando, a seguinte pode começar a ser coletada.
Dessa forma o ciclo nunca se encerra e não è necessário acumular grandes quantidades do produto em depósitos.
A mandioca doce ou macaxeira, mais conhecida no Sul como aipim, ao contrario, tem o ciclo vegetativo mais curto, não precisa de especiais manipulações para ser consumida e pode ser comida simplesmente assada ou cozida. Tem porém o inconveniente de não se conservar, devendo ser consumida rapidamente depois de coletada, porque logo endurece e torna-se fibrosa.
A farinha de mandioca era o alimento por excelência dos indígenas do Brasil tropical; fácil de conservar e transportar, não é de admirar que, ainda hoje, seja o alimento básico das povoações camponesas nordestinas.
Uma bolsa de couro com carne seca moída e misturada com farinha de mandioca, é ainda utilizada atualmente por pastores e caçadores do interior do Nordeste. A mistura, conhecida com o nome de paçoca, sendo a farinha de mandioca, hidrato de carbono puro, complementada com a proteína da carne, é alimento nutritivo perfeito para as grandes caminhadas, fácil de ser carregada, conservada e consumida.
Na paçoca de "seu" Severino Vieira, caçador de mel na caatinga norte-riograndense do Terceiro Milênio, entram outros ingredientes, entre os quais: castanhas de caju trituradas, uva passa, cristais de rapadura e alho torrado.
Toda semana, seu Severino, morador do Sitio Mutamba, município de Jucurutu, vai pra feira de São Rafael vender seus produtos (mandioca, mel e umas tantas raízes e cascas de arvores que recolhe durante suas andanças) e compra os ingredientes do seu famoso caldo de mocotó, que cozinha por três dias inteiros antes de ser consumido: "desde tenho lembrança, todo dia ao acordar tomo um copo cheio deste caldo... foi meu pai, Canindé Vieira, que me ensinou a fazer" nos contou o sertanejo oferecendo-nos uma degustação do caldo grosso e forte.
    



Bibliografia essencial
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Gabriela Martin - Pré-Historia do Nordeste do Brasil
Editora Universitaria UFPE