quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Dormir na rede é bom demais

Dormir em rede garante uma maior qualidade de sono. Isso é o que afirma uma equipe de cientistas suíços e franceses, que publicou recentemente um estudo onde se afirma que o movimento de vai e vem de uma rede melhora a qualidade do sono e ajuda as pessoas a dormirem mais rapidamente.
A rede, também destaca o estudo, tem um efeito prolongado na atividade cerebral, aumentando as oscilações mentais e a irrupção da atividade conhecida como eixos de sono: estes efeitos são consistentes com uma atividade neuronal mais sincronizada, característica do sono mais profundo. Os pesquisadores europeus pretendem averiguar se a rede de dormir pode ser utilizada para ajudar pessoas que sofrem de insônia.
De acordo com os registros recolhidos até hoje, a rede de dormir possui o copyright sul-americano. A primeira citação nominal em português da rede de dormir foi feita em 27 de abril de 1500 pelo escrivão da frota portuguesa, Pedro Vaz de Caminha, na ocasião em que o Brasil foi “descoberto”. Segundo consta em seus relatos, os índios dormiam sobre redes altas, atadas pelas extremidades.
As redes feitas pelas mulheres indígenas eram resistentes, de fiação simples e malhas grandes, por este motivo faziam lembrar a rede de pescar. O nome “rede”, assim, foi dado pelos portugueses. Os indígenas a chamavam de “ini”.
O folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo, no seu ensaio “Rede de Dormir”, faz uma apologia a esta peça doméstica integrante da vida cotidiana das gentes do Norte e Nordeste brasileiros, comparando-a com a cama, e enaltecendo as vantagens da rede:
“O leito obriga-nos a tomar seu costume, ajeitando-se nele procurando o repouso numa sucessão de posições. A rede toma o nosso feito, contamina-se com os nossos hábitos, repete, dócil e macia a forma do nosso corpo. A cama é hirta, parada, definitiva. A rede é acolhedora, compreensiva, coleante, acompanha, tépida e brandamente, todos os caprichos da nossa fadiga e as novidades imprevistas do nosso sossego Desloca-se, incessantemente renovada, à solicitação física do cansaço. Entre ela e a cama, há a distância da solidariedade à resignação”.
Autênticas e eficazes também as palavras de Sérgio Buarque de Holanda (Caminhos e Fronteiras):
“Em contraste com a cama e mesmo com o simples catre de madeira, trastes sedentários por natureza, e que simbolizam o repouso e a reclusão doméstica, ela pertence tanto ao recesso do lar quanto ao tumulto da praça pública, à morada da vila como ao sertão remoto e rude. (…) O fato é que as redes – redes de dormir ou de transportar – são peças obrigatórias em todos os antigos inventários feitos no sertão”.
Até hoje, creio que no Vale do Assu, assim como em toda a área rural e silvestre do Norte e Nordeste do Brasil, a rede deve ser ainda muito mais usada que a cama para dormir.
Já há muitos anos, seja para dormir ou ficar a noite inteira lendo um livro que não se deixa fechar, eu prefiro sempre deitar numa boa rede que na cama. Boa rede por mim não tem muita frescura: deve estar bem armada e não pode estar muito deformada pela idade, ou usos diferentes do deitar pra dormir. Se estiver limpinha e cheirosa, então, já fica um convite irresistível a pular dentro dela!
Aos amigos que vem no Sitio Araras de Itajá RN, no meu sertão, conhecer meu “bom retiro” à beira-rio, para eles entrarem logo no estilo local, sempre ofereço como primeira opção de pernoite uma boa rede armada por baixo do imbuzeiro, na sala, ou na varanda da casa.
Mas a maioria deles, entre os quais também uns tantos brasileiros (geralmente, sulistas), diz que gosta muito da rede para descansar, mas não sabe dormir uma noite inteira. Alguns dizem até que ficam com dor nas costas e terminam quase todos dormindo nos colchões infláveis, que tenho como segunda opção para eles kkkkkkkkkkkkk
Mesmo assim, eu não deixo de explicar para cada pessoa, que aparece aqui em casa, como com poucos cuidados, a rede pode-se transformar num berço ancestral, onde dormimos sonos profundos e bem repousantes.
É bem simples. A rede deve ser armada não muito esticada, tampouco muito frouxa, para nela podermos deitar como se estivéssemos em uma suave bacia com a forma e tamanho do corpo. Ao invés de dormir no mesmo sentido da rede, que é a primeira posição que pode vir à mente, com os pés em direção a um punho e a cabeça ao outro, é preciso deitar na diagonal, num ângulo de aproximadamente 30 graus, ajeitando a posição até que não fique do seu próprio gosto, pois a elasticidade do tecido da rede ainda absorve as diferenças do corpo (traseiro, cintura, costas), tornando-a ainda mais confortável.
Em casa, em viagem, nas aventuras em canoa, hóspede em casa de algum amigo/a, eu não tenho duvidas: melhor jeito de dormir é na rede, de preferência armada por baixo de uma arvore, onde de manhãzinha vem cantar os passarinhos.
Quando, no começo de minha permanência em Brasil (anos 90), ainda viajava um pouco indo e voltando para e da Itália, num verão europeu fui a Roma com uma rede na mala. Entre outras, fomos de navio para a Sardenha, numa travessia que dura uma noite inteira e um pouco mais. Amigas e amigos, com os quais viajei juntos, foram dormir em angustos e quentes camarins, enquanto eu armei minha rede num cantinho de convés tranquilo, realmente o melhor lugar para dormir e, ainda mais, de graça. Foi naquele ano mesmo, creio, que inseri uma rede de dormir na lista de bagagens essenciais para qualquer viagem, ou aventura.
Eu nunca vou poder esquecer de toda a inveja dos meus amigos italianos, ao longo daquele verão, por causa de minha prática rede de dormir, trazida do Brasil kkkkkkkkkkkkk

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