sábado, 27 de julho de 2019

Exp. Mesopotâmia 6 - Assu a Alto do Rodrigues 1º dia


Toda expedição em canoa é uma aventura única e irrepetível, até quando são percorridos os mesmos itinerários, e as descidas pelo rio Assu da série "Mesopotâmia" não fazem exceção. 
Desde 2017, realizamos seis diferentes aventuras na várzea do rio Assu, a jusante da Barragem ARG. Outro dia, redigi uma nota de memorando pessoal que, justamente, identifica as datas, os percursos e poucas outras informações básicas de cada expedição. 
A região da várzea é muito diferente daquela do Vale do Assu represado pela barragem. Invés de uma ampla área alagada, que engloba até as fozes dos rios afluentes, a Mesopotâmia é uma rede de braços de rio, que lentamente descem pro mar, se dividindo e se encontrando de novo, ou não, mais pra frente. Existe sempre um braço de rio principal, mas em algumas ocasiões vale a pena perder-se por algum canal. 
Os animais introduzidos pelo ser humano também são diferente: nas margens da barragem, encontram-se predominantemente muitas cabras criadas soltas. Ao contrário, na várzea os animais criados soltos são, em sua maioria, os bovinos e os equinos, sendo completamente ausente a cabra. É por causa disso que, às vezes, se encontram no meio do rio cercas de arame farpado, esticadas para não deixar o gado afastar-se demais da fazenda. 
Por anos, seguindo o costume local, navegamos com as canoas Igaruana somente pelo lado da barragem. Realmente, para as pesadas canoas de madeira dos pescadores ribeirinhos não tem como navegar nas águas mais baixas da várzea. Por sua natureza, o rio Assu é um curso de água intermitente, podendo ter épocas de enchente e outras de estiagem. Com a construção da barragem, ficou garantido um fluxo constante de água anualmente, mas com um volume limitado. De fato, de Assu para Pendências, encontra-se mui raramente uma canoinha encostada na beirada. Os pescadores se deslocam pelas águas baixas do rio andando, ou nadando. 
Foi só em maio de 2017, que após muito planejamento, em companhia de Pierrôt, encaramos o desafio Mesopotâmia e descemos pela primeira vez uma porção do rio até Ipanguaçu. 
Este ano, a temporada das chuvas foi boa; a Barragem ARG pegou mais de cinco metros de água e o Açude Mendubim sangrou abundantemente, chegando essa sangria a derrubar a parede da passagem molhada de Entre Rios, aquela que a gente usa, ultimamente, como ponto de partida de nossas aventuras. Para os curiosos, informo que o rio Paraú, sangrando da parede do Mendubim, versa suas águas no rio Assu logo antes da ponte sobre a BR304. 
Logo que chegamos no local de partida, conferimos como o volume do rio estivesse um pouco maior que da outra vez. Descarregada a canoa e a tralha do carro, me despedi de Seu Luis, marcando para encontrar-nos cinco dias depois no mesmo lugar onde ele veio me buscar no ano passado, nas mangueiras de Zé de Dedinho, à periferia de Pendências. 
O rio está daquele jeito de sempre, baixinho e com correnteza branda, contudo se vejam os sinais do maior fluxo de água ocorrido nos meses de chuva. Uma grande arvore despencou da barreira e tombou no rio. A arvore é tão grande que deu para passar por baixo do tronco, em pé na canoa. Ao passar, me lembrei de uma vez que, numa situação parecida, inventei de tentar parar por baixo da arvore me segurando a ela, mas o tronco me deu uma puxada para trás, a canoa seguiu pra frente e eu tomei um banho. Dessa vez passei numa boa. 
A sensação de harmonia com a Natureza é tão forte que seja Cabeça que eu ficamos quase em êxtase, olhando, escutando e cheirando tudo. 
De bubuia, praticamente, percorremos os oito quilômetros de percurso diário, parando aqui e acolá, por um lanche, um banho refrescante, ou sem razão mesmo. 
Passamos por quatro cercas de arame farpado esticadas entre uma margem e outra. Já sou craque em lidar com isso: muito importante é não deixar nada sobressaindo da borda da canoa, para seguir livremente depois ter embicado a proa por baixo do arame. 
Nesse ritmo lento, contemplativo, chegamos ao Campo D por volta das duas e meia. Limpada a área e armado o acampamento, me dediquei a catar uma boa porção de lenha seca para acender o fogo e preparar primeiro um café e depois um bom jantar. Cabeça foi dar um rolezinho pelas paragens e voltou com um osso para roer. Eu implementei nesta aventura a regra de não fazer café depois das cinco da tarde, para dormir cedo à noite e cedo acordar no dia seguinte. 
Pro jantar, preparei um risotto integral com alho, cenoura, batatinha, repolho, cúrcuma e uma lata de sardinhas. Jantei às seis e às sete estava já dormindo. 
Por volta das nove, dois caçadores passaram perto de nosso acampamento. Cabeça rosnou, eu voltei por um minuto do mundo dos sonhos, para ver o que fosse; cumprimentei o pessoal, tranquilizei Cabeça e voltei a dormir.

Nenhum comentário: