quarta-feira, 15 de abril de 2015

Exp. Itacoatiara - Março de 2015 - Parte #1


Este relato ia intitular-se "O poeta e o pirata", se não fosse que meu amigo Raul Pimenta, poeta e escritor potiguar, que cortou o umbigo no Caicó, mas mora há décadas na capital, convidado escolhido para participar da primeira expedição Itacoatiara de 2015, acabou tendo que renunciar na última hora, pois não pôde adiar outro compromisso que surgiu no caminho.
A primeira expedição itacoatiara não tem data marcada, até não rolarem, pelo menos, duas boas chuvas na região da Serra das Pinturas, na pegada do inverno: com o Riacho da Pedra Lavrada que forma um pequeno lago, o sertão todo verde e os outros riachos com água correndo, para refrescar-se no meio do caminho, é bem melhor que praticar a trilha de 9+9km pela caatinga toda seca, na época da estiagem.
Por ser uma expedição de recognição, geralmente quem vai comigo é apenas um ajudante, ou um amigo especialmente convidado.
Quando foram anunciadas as primeiras chuvas no sertão, comecei a acompanhar os relatórios pluviométricos da região, publicados na internet. Não tendo uma estação de medição cadastrada no Sítio Mutamba nem, quanto menos, no pé da Serra do Cipó, fiquei acompanhando os relatórios relativos aos locais mais próximos, duas estações de medição no município de Jucurutu e uma no território de Triunfo Potiguar. Umas boas chuvas, finalmente, foram registradas.
Sendo o dia melhor para iniciar uma expedição Itacoatiara o domingo, deixei passar o Dia da Poesia, no sábado 14, e marquei a expedição para o domingo, 22 de março.
No sábado de manhã, sai de Pipa bem cedinho e, por volta da uma e meia da tarde, cheguei no Sítio Araras. Tomei um banho refrescante, armei a rede por baixo do imbuzeiro e fiquei dormindo duas horas. Quando o sol baixou um pouquinho e o calor diminuiu, entrei em casa e comecei a arrumar todos os equipamentos que a gente iria utilizar nos dias seguintes. No começo, separei também colete salva-vidas, remo, barraca e colchão inflável para meu amigo poeta, mas depois ter recebido uma SMS de Raul, por volta das seis horas, confirmando a impossibilidade de participar, guardei de novo esses itens. Logo depois fui na vendinha de Titico, antes que fechasse, para encomendar três garrafões de água mineral, a ser entregues na manhã seguinte à beira do rio. Os 60 litros/quilos de água iriam compensar a ausência do segundo canoeiro a bordo, fornecendo um bom lastro para a canoa ficar suficientemente imersa na água e com seu eixo longitudinal aprumado.
Finalmente, fui sentar-me no alpendre dos meus vizinhos, onde, logo que cheguei, me ofereceram um copo cheio de café quente.
Com Seu Zé e o filho Domingo ficamos conversando um bocadinho sobre chuva e pesca na pegada do inverno, que, vale a pena lembrar, independentemente do calendário, para o sertanejo identifica a temporada das chuvas. No Vale do Assu, um bom inverno pode manifestar-se já em meados de dezembro, mas geralmente começa a chover em fevereiro.
Seu Zé, aos 76, não está mais saindo para pescar, mas continua trabalhando, cuidando de tratar e conservar o peixe trazido pelos filhos pescadores. Enquanto tucunaré e tilápia, limpos do fato, vão logo pro isopor com gelo, pescada e curimatã são ainda escalados, salgados, expostos ao sol para secar, casados pelo tamanho parecido, antes de ser vendidos, semanalmente, para um comprador, que leva o peixe pras feiras do Interior.
Dona Piedade, deitada na rede armada no copiá, me contou que pegou uma gripe braba que a derrubou. Ela teve que ficar duas semanas internadas no hospital do Assu, para combater uma infecção pulmonar. Embora voltou para casa curada, ela disse que ainda não ficou boa e que a fraqueza às vezes a deixa tonta. É Seu Zé agora que está passando a vassoura em casa; a mulher de Domingo está ajudando nas tarefas domesticas, enquanto Dona Piedade não se restabelecer.
Às oito horas, fui pra casa. Sem vontade de cozinhar, comi dois pães com queijo, tomando café quente sem açúcar. Registrei no pequeno aparelho GPS, que iria utilizar durante a trilha, as coordenadas de cinco check-points e a localização final da caminhada, a Pedra Lavrada.
Depois desliguei a luz, fechei os olhos e fiquei repassando mentalmente a lista de todas as coisas que não se podem esquecer, até adormecer, no balanço da rede.

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