Desde 1972, o 5 de Junho comemora-se o Dia Mundial do Meio Ambiente, com o objetivo de promover atividades de proteção e preservação do meio ambiente, e alertar o público e governos de cada país sobre os perigos de negligenciarmos a tarefa de cuidar do mundo em que vivemos. Isso é muito importante, com certeza.
Mas esta data também lembra-nos, ou deveria lembrar-nos, por melhor dizer, a comemoração do ano novo feita pelos povos indígenas do Brasil, antes da chegada dos colonizadores europeus.
Mesmo não tendo conhecimento maior do universo e da mecânica celeste, não sabendo calcular matematicamente os eclipses e as órbitas dos planetas, os indígenas do Brasil pré-cabralino criaram uma cosmologia bem desenvolvida, a que não faltam explicações pitorescas sobre a origem das fases da Lua, os cometas, os meteoros, a Via-Láctea etc.
Foi a necessidade de medir o tempo através da determinação do retorno das épocas de chuvas e secas, que conduziu esses astrônomos elementares a observar o movimento dos astros e relacionar o aparecimento de certas estrelas, ou constelações, com as mudanças das estações.
O mais importante agrupamento estelar que caracteriza o conhecimento dos aborígenes do Brasil é o das Plêiades. Duas são as razões desta importância: a primeira, o fato das Plêiades constituírem um dos objetos de mais fácil identificação; a segunda relaciona-se com o fato que sua aparição no céu, em Junho, antes do nascer do Sol, no lado do nascente, indicava aos indígenas que nesta época a Natureza começava a se renovar e, dependendo da região, a estação das chuvas estava acabando, ou principiando.
O aglomerado estelar das Plêiades (M45) é visível perto da constelação do Touro. Trata-se de um agrupamento estelar relativamente jovem, na ordem dos 30-40 milhões de anos, que dista aproximadamente 450 anos-luz da Terra.
São muitas as lendas sobre as Plêiades, popularmente conhecidas também como Setestrelo, por serem visíveis a olho nu, apenas sete estrelas desse aglomerado celeste. Os interessados podem ler, se quiser, um breve ensaio¹ que escrevi a propósito disso.
Muitas etnias indígenas de diferentes regiões do Brasil utilizavam as Plêiades para construir seu calendário. Eles consideravam principalmente os dias do nascer helíaco, do nascer anti-helíaco e do ocaso helíaco das Plêiades. Cerca de um mês por ano, as Plêiades não são visíveis porque ficam muito próximas da direção do Sol. O nascer helíaco das Plêiades ocorre no dia 5 de junho, o primeiro dia em que elas se tornam visíveis de novo, perto do horizonte, no lado Leste, antes do nascer do Sol. Esse era o dia que marcava o início do ano para a maioria das etnias indígenas do inteiro Brasil.
Por volta do dia 10 de novembro, as Plêiades nascem logo após o pôr do sol, este dia recebe o nome de nascer anti-helíaco das Plêiades, pois o Sol se encontra no lado Oeste e as Plêiades no lado Leste. Perto do 10 de maio, acontece o ocaso helíaco das Plêiades, pois elas desaparecem do lado Oeste, logo após o pôr do Sol. Depois desse dia, elas não são mais visíveis à noite, até perto do dia 5 de junho quando ocorre, novamente, seu nascer helíaco. Pode-se bem admitir, então, um ano sideral, baseado no nascer helíaco das Plêiades.
O Setestrelo no Vale do Assu e no Seridó
No Vale do Assu e no Seridó, interior do Nordeste, terras dos tapuios Tarairiú e Cariri, o simbolismo das Plêiades estava estritamente ligado ao mundo invisível dos mitos ancestrais.
Todos os bisamus² cariris colocavam seus mistérios nas Plêiades e na constelação de Orion, moradia celeste do deus Poditã, herói civilizador do grupo étnico Kariri. O mito de Poditã estava cercado de mistérios e sutilezas, que deixaram muitos intrigados, pois tinham os indígenas como regra sagrada guardar os ensinamentos do deus, conservando segredos que jamais foram revelados a quem não fosse do mesmo grupo étnico.
Seja os Cariris que os Tarairiús começavam a contar o ano pelo nascimento das Plêiades, que nesses sertões marcava o fim do “inverno”, estação da chuva, e a chegada da “primavera”, época de renovação da flora e da fauna.
Cantos e danças faziam parte dos cultos em honra do Setestrelo realizados pelos tapuios. Eram as arcaicas festas juninas, depois sincretizadas e inseridas no calendário religioso da igreja católica. A comida típica das festas era quase toda à base dos grãos e raízes que os indígenas cultivavam, como milho, amendoim, batata-doce e mandioca. Com boa fartura de caças, peixes e frutas, os indígenas comemoravam em grande estilo: comiam, bebiam, dançavam e, inebriados, farreavam por dias e dias, cada dia com renovada energia. A demorada comemoração chegava a alcançar e incluir nos festejos também o dia do solstício, que cai entre os dias 21 e 22 de junho.
Segundo Marcgrave, quando os frutos silvestres já estavam na maior parte maduros, os Tarairiús saiam em romaria do acampamento principal, situado nas margens do rio Otschunoch (Assu), caminhando por dois dias até as cabeceiras do rio Quoauguho (Upanema), onde realizavam cultos de adoração ao Setestrelo durante semanas. A festança era grande!
Câmara Cascudo, em seu “Nomes da Terra”, confirma que tal Lima Pacheco, em 1689, recebeu em sesmaria 24 léguas na ribeira do rio Upanema, “principiando de uma penedia que está onde o rio nasce, a qual o gentio denominava Sete Estrelas”.
Quando o rio Assu voltava ao seu leito, os Tarairiús dedicavam-se ao plantio do milho, jerimum, amendoim e fava, entre outros. Antes do plantio, havia umas cerimônias realizadas pelos feiticeiros, destinadas a propiciar a fertilidade do terreno; cerimônias, cujos rituais Jacob Rabbi, judeu alemão que viveu junto aos tapuios Janduís por anos, descreveu em todos os pormenores; seu famoso relatório, dedicado ao conde Mauricio de Nassau, é uma das maiores fontes de noticias sobre os Tarairiús para todos os pesquisadores, desde os cronistas da época da colonização europeia até hoje.
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¹ “Astronomia Indígena – O Setestrelo” – 2018 Edições Igaruana
² Bisamu é o curandeiro, feiticeiro, autoridade espiritual; o mesmo que pajé em tupi
O ano novo dos indígenas e as festas juninas pré-cabralinas
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